03/06/2017

POLÍTICOS, SENHORES FEUDAIS

Fora da História e das ciências, inclusive a Filosofia e a Sociologia, aumentam os riscos de se cometerem os mesmos erros. Não é isso que observamos na vida das civilizações? Se indagamos qual o sistema político ideal, a resposta pode ser: aquele que mais propicia a autonomia individual no contexto social interativo. Isso é também considerar a valorização das diferenças, sejam de culturas, personalidades, raças, gênero. A política, afinal, entra em tudo como forma de administrar direitos e deveres. É uma arte para alimentar inovações, sem o que a simples vida circunstancial de relações com pessoas, seres e coisas, não basta. Estado em que tudo penetra, para sermos mais claros, possui princípios que tiram qualquer dúvida: compreender o mundo e as pessoas como queremos ser compreendidos; tratar os outros como se fossem nós próprios. Sei que são coisas simples mas excepcionalmente complexas, difíceis de serem vivenciadas. Negar aqui a importância das noções éticas e morais é se submeter a uma pedagogia cujo endereço final é a fatalidade. Ela começa por se manifestar de múltiplas formas, desde o niilismo e a depressão do espírito até uma desenfreada violência contra pessoas e povos.   
Nada escapa à sanha dos insatisfeitos em causas próprias. O motor das escolhas costuma ser o dinheiro, bens materiais e a busca de poder. Seduz uma homogeneidade centralizante no mando por poucos. Escravizante. Se o regime é democrático, no que consiste a representatividade? Como ela é? Sabemos, pela História, que tal sistema de governo nasceu do dinheiro e da pólvora. Foi quando caíram os castelos feudais. Orgulhosos fidalgos foram equiparados aos pobres nos campos de batalha. A invenção da moeda abriu caminho ao comércio e ao acúmulo de riqueza. Nasceram as cidades, os portos e as fortalezas protetoras do poder econômico. O dinheiro como motor movente. Aí entra a Filosofia: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A classe média chega ao comando político. Ela, ao lado da aristocracia e do clero. Com a fraternidade, a livre entrada dos banqueiros, carniceiros, padeiros e fabricantes de castiçais para os salões da nobreza e do clero. Mas no começo da democracia nem todos tinham os mesmos direitos – o que incluía homens e mulheres, operários e suas esposas. Do direito de voto estavm excluídos tanto as mulheres como os homens não-proprietários. Na palavra “povo”essa gente não figurava. Ter bens, sendo dono de terras e construções era o que propiciava o direito de votar. Originariamente democracia significava apenas o governo dos proprietários. Só depois vieram juntar-se a esse fator a crença na possibilidade de participação de todos os homens no paraíso da felicidade e do poder. Reforma protestante, a ciência, a revolução industrial procuraram demonstrar valores humanos não mais só dependentes de títulos nobres. Minorias queriam ampliar o direito de voto – meio de fortalecer a própria supremacia. Os senhores afastaram-se, aumentando a chance de o povo participar. Homens e mulheres como “povo”. Vieram as revoluções. Não apenas colonos contra a metrópole. Fundamentalmente, a classe média contra a aristocracia importada. No ocidente, abalada a aristocracia rural, foi surgindo a formação dos governos populares. O triunfo dos banqueiros sobre os barões. Vagidos de liberdade e igualdade – o que existe até hoje. Ao voltar aos donos do dinheiro, senhores feudais, hoje se falam em cifras jamais sonhadas. Milhões e bilhões que eram conhecidos por se ouvir falar. Circulam em malas, mochilas, meias e depósitos no exterior. Enquanto isso, os donos de barcos, joias, sítios, tríplexes, aeroportos, têm desprezo pelos corrompidos. Quem paga as contas está em uma longa lista: transferências  de fundos públicos, medidas provisórias, primazia em concorrências, isenção de impostos, empréstimos em bancos oficiais. Se a democracia de outrora chegava a acentuar a liberdade dos homens, quando os trabalhadores se orgulhavam do ofício que lhes enfibrava o caráter, isso desapareceu em consequência do comércio, da facilidade de comunicações e da invenção de engenhos destruidores, além da construção de máquinas para operarem máquinas (robôs, célula elétrica). Tudo vai cedendo ao monopólio de coisas e ideias. Só se é livre no mesmo plano de igualdade em poder. A força mais forte e a fraqueza mais fraca. Na hipocrisia política temos a igualdade perante as urnas e a desigualdade na distribuição de renda. A separação entre afortunados e infortunados é cada vez mais gritante. A obediência às oligarquias – governo e a minoria financista -, é com relação ao sobe-desce dos dólares. Quantofrênico esse estado que não acolhe a maioria dos homens. Comum a redução dos grandes problemas sociais à questão econômica. A democracia é a mãe geradora da casta governamental. Sente-se mais o poder do número (daí a quantofrenia). Quanto se ganha ou perde, qual a função disto ou daquilo. A tônica no que se prevê como resultados a beneficiar “os que sabem”. O lado do povo é o lado dos que não sabem. O primeiro grande perigo está na violência e na guerra. Ela aparece como remédio para a democracia. Temos a popularidade da ignorância. Trump e Le Pen estão aí para confirmar. Imprudência ou ingenuidade no seu linguajar passado, alheio a certa modernidade menos xenófoba e homofóbica. Temos os poderosos pagantes (bancos, indústria e comércio). A considerar: o homem é um animal emocional. Só ocasionalmente raciocina com coragem de pensar fora dos lances do dia a dia. “O que eu ganho com isto?”Para se ter um Congresso como o de hoje é acreditar muito no poder do número. Ele, se beneficia quem vota, aonde fica a capacidade técnica e providencial nas criaturas que se elege. Prevalece a vulgaridade da retórica dos candidatos alimentados pelos marqueteiros. Não se percebe que se é comandado por uma aristocracia. Há uma perpétua futilidade no liberalismo político. Impõe-se a ação conservadora. As massas e os homens públicos sofrem de neofobia. Parece até que a democracia é hostil ao gênio e à arte. Quando a extensão de erros na administração pública é grande, estimula-se para que surjam mais gestores dodo que gente capaz de ir a fundo em questões de arte e política. Ambas não cabem na compreensão dos espíritos médios. Novamente a quantificação esquizofrênica. É a tirania intelectual do número. Compulsão contra os espíritos mais esclarecidos. Eis o que vegeta nas câmaras de decisão. Não entra na máquina do governo, com suas reais exigências, a educação. Uma minoria, interessada nas próprias conquistas, age contra a maioria desunida. Toda a política não passa da rivalidade entre blocos e partidos, minorias organizadas. O povo é governado – e mal – pelo pão e circo. Entra a retórica para que o povo engula o que a politicagem quiser. Lembro, outra vez, os marqueteiros (psicólogos negocistas) com suas metáforas e metonímias. Imagem e palavra entronizadas. Congressistas esbaldam-se em discursos e preocupação com o que a mídia circunstancial expressa. Cabe a pergunta: será que percorrem com uma vista atenta o que os analistas dizem contra eles? Ler, necessariamente, não significa ir a fundo. O que se retém é o que já se pensa e sabe. O que é contra si fica só para os adversários. Atitude a aprovar uma desordem organizada. É isso democracia? Até quando o poder político significará dominação econômica? Afinal, o problema é político ou econômico? Na escolha, tende a vencer a mediocridade. Quando a democracia deixará de ser hipocrisia ilimitada? É não se perceber no próprio espelho. O caminho tem sido o da opressão das maiorias pelas minorias. Resta o quê?

O texto base para as nossas reflexões tem a ver com o pensamento de Will Durant, longe de propor outros regimes fora do democrático. Este seria o pior, fora os outros, segundo Winston Churchill.

No livro “Filosofia da Vida”, Will Durant fala no mecanismo da “desordem democrática”. Aí está presente o que ele chama de “máquina”. Ela governa através da compulsão dos ignorantes: contra a diferença; contra os espíritos superiores; contra tudo que erode a História. Sua obra surgiu meio século atrás (1951). Hoje temos o “digital”e a Internet. Falcatruas são desvendadas simultaneamente ao ocorrerem. Gravações de conversas, telefones grampeados, formas diversas de computação, registros eletrônicos até inimagináveis. Sem transparência os “donos”do mundo não têm vez.         

Título da obra de Durant: “The Mansions Of Philosophy”,1951, Companhia Editora Nacional ,  tradução de Monteiro Lobato.

_________________  


Nenhum comentário:

Postar um comentário