04/04/2016

VIDA E CINEMA

Falar sobre Vida, mesmo que não seja de forma doutrinária, é algo frustrante. Mas ainda é preferível, a falar sobre Morte. Faces de uma coisa só, em princípio, finitude e destino inexorável. Parece ironia dizer que em cada passo estamos vivendo e morrendo. Na janela da existência ambas nos assistem como martelo e foice (sem alusão a certa ideologia). Filosofias encaram essa dualidade, cada uma a sua maneira. Vida é o que respira; morte é o que torna seres quimicamente iguais. Um pouco de poesia e cinema não faz mal a ninguém. Vou falar sobre “Os Pássaros”. O filme intriga. Há quem acha que obra de arte precisa se autoexplicar. Quem se habituou aos efeitos especiais por computação gráfica não entende como, nos anos 1963, se fazia um filme assim. Raros efeitos num belo naturalismo. Desde o início da sétima arte que se faz trucagens, infinitas as possibilidades, mesmo do ponto de vista analógico. Instiga o que se pode ver como metáforas e símbolos nessa obra de Hitchcock. Rico painel com o costumeiro toque psicanalítico do mestre. Símbolos carregam tanta energia por si mesmos que é impossível defini-los. Metáforas valem para quem as elabora e para o leitor sensível (lembro “O Carteiro e o Poeta”, com o personagem Neruda). “Os Pássaros” é um clássico. O clima nos créditos vai acordando o espectador. Sons de pássaros, depois pássaros voando, batendo as asas... “Aves do amor”. Menção a elas, no início. Relações entre pessoas, sutis pássaros migrando. Primeiros planos, enquadramentos caprichados, panorama com luz natural. Cinema é roteiro. O primeiro minuto, calma sem suspeitas. Tudo no seu lugar: pessoas, objetos, coisas. Intertexto que nos toca. Não há complicações. Tudo flui. Os pontos mais importantes das locações vão aparecendo: a cidadezinha, a escola, cidadezinha onde há muito tempo livre. De um lado, os pássaros do amor... Do outro, negras gaivotas... agressivas. Nas residências, portas se abrem, sem ninguém dentro. E a segurança a que estamos habituados? Cabine telefônica, o restaurante. “Aves do amor” – a expressão parece insinuar algo ainda obscuro. Grandes atores. Veja a Jessica Tandy de “Tomates Verdes Fritos” e “Conduzindo Miss Daisy”, bem mais moça. Há algo de estalo, com as aves domésticas... Não comem. Adoecem. Um mal subjacente. Gostar ou não da cidade... e das pessoas? A primeira concentração, aves empoleiradas nos fios de um poste. Tippi Hedren, a loura glomourosa nas lentes embaçadas. Pitada psicológica, ao gosto do cineasta. O mistério das aves. Uma bate na porta... morre. De dois momentos, se faz um belo filme... É como a própria vida. Pássaros, drama externo... E o íntimo das pessoas? Paisagens calmas, depois dos ataques. Tragédias aproximam quem se ama. Nós nos perturbamos com essas extranhas aves. Críticas à ciência, à técnica (especialização), às relações humanas, às autoridades. A câmara voa, como pássaros. Olha de cima e de baixo para cima. Para que música funcional? A pessoa de fora, imigrando, como o problema (sempre o outro!). Todos os pássaros em suspeição. Por que atacam? Por que? Muitos porquês... Porquês não levam a nada. Necessário compreender o contexto, a linguagem. A mãe, no filme, temia a solidão... Aí, acontece coisa pior. A Bíblia... Tudo é recorrente. Lição para o que é adverso e incontrolável. No final... Ficar no próprio eixo pode ser a mensagem. Só sei que se trata de uma obra com muitas reticências. 

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