27/04/2016

ARTE E VIDA, UMA COISA SÓ

Ao tomar um artista como exemplo, quem mergulhou na linguagem escolhida, caso de Mondrian, penso nos meus sentimentos de valia. No desejo de melhor me conhecer reconheço, como no caso desse artista, certa visão e procedimentos comuns a quem faz arte.
Os espaços – qualquer espaço – pode funcionar como laboratório. A casa ou apartamento onde se mora, cujos quadros, pintura, fotos, esculturas, objetos, contam a história e as histórias das quais o artista participou ou foi o agente.
Diálogo com situações e pessoas. A residência, qualquer lugar em que se aloja de forma temporária ou não, suporte para experimentações visuais e sensitivas. Imagens e composições já ou a serem trabalhadas na tela ou em outro suporte. É o caso das pinturas de Mondrian. Dispor em estratos ou camadas o  passado. Falo em arte, mas áreas do pensamento e da ação, quando a pessoa se envolve em realizações de um fluir continuado, possuem parâmetros semelhantes.
Em nossa época do digital, o analógico pode funcionar como complemento. O antes e o depois, o passado e o presente interagindo. Combinar o semelhante, igual ou distinto, enriquece processos de trabalho e criação. 
Objetos  das minhas oficinas (ateliês) e nas dependências onde moro, sugerem significações nem ou pouco imaginadas. Chamo de caves onde me dão bola variados signos. Lembro que signo pode ou não ser arbitrário. Implica na relação significante-significado. O sonhador é quem decide. Bengala pode sugerir cobra, para o jogo do bicho; ponto de interrogação – cajado, símbolo de apoio em situações difíceis. Há regras e também atos de ideação espontânea fora de padrões conhecidos, na relação constituído (regras), constituinte (o que pode ou deve mudar).  
Muitas vezes redisponho as coisas na busca de maior equilíbrio, ou de outras   sugestões. Quadros, cujas linhas e superfícies são alteradas. O curioso é que autocontemplo muitas vezes sem decupar o que realizei. Não entendo o porquê ou como surgiu aquela linha, ou aquela mancha. Por exemplo, nos meus quadros “A reunião”, “O útero”...  Aí, de tempos em tempos, vou sacando os elementos da composição. Nem tudo se explica.
Ao escrever, algo assim também ocorre. Logo cedo, ao levantar, se algumas ideias não tomaram corpo na madrugada, leio... Costumam surgir associações oportunas. Reproduzo, às vezes, certas modalidades sintáticas, interfiro, mudo, doendo quando, na leitura, sigo o autor dependendo mais dele, fora dos meus limitados recursos. Autores: de obras escolhidas e colunistas de jornal.
Gosto de ouvir jazz enquanto escrevo, Ornette Coleman um dos preferidos. Pintando, chego a fazer tramas complicadas. Por vezes, narcisicamente, me empolgo com a dança de palavras e frases, de traços e matizes pictóricos. A obra, ela própria é que induz a  possível término, geralmente seguido de um etcétera. Aprendi a dizer, com Nuno Ramos, que minha poética é a do erro. Linhas, estruturas, formas, a exigirem maior soltura.
Acho intrigante quando certos artistas consideram a fase posterior de suas obras opções para afastar, de modo peremptório, modalidades do proceder costumeiro. É o mesmo que negar a influência de cada espaço-tempo e do próprio inconsciente. Como se não fosse possível ocorrerem outros sinais e comportamentos, a partir de regiões da psique (sentimento, pensamento, sensação, intuição). Certo que a memória tem o seu papel. Há sempre o que possui relevância funcional, muitas vezes dormitando por falta de ocasião para se expressar. Neurotransmissores a se envolverem: córtex pré-frontal, ínsula, amígdala, circuitos ativadores do cérebro. Este, sujeito a sérios estudos. Além de placebos e dos fármacos, sentidos materiais menos ativados, temos a intuição e os espíritos que nos guiam e inspiram. Aqui, um maravilhoso campo de busca, vivências e onde medra a mediunidade (ou sincronicidade, se se preferir). Existe um atemporal abrangente, campo, inclusive da Física Quântica. Ciência e religião se abraçam.
Nos rituais e nas simbologias; nas interações metapsíquicas as pessoas podem encontrar substancial alimento para os produtos da alma. E para crer na Vida (por que não?). Os céticos são sépticos, ao contrário dos agnósticos que,  se não creem em Deus, chegam a não o negar terminantemente. Uns se infeccionam por não aceitar a importância da procura. Céticos, ao mergulharem na especialização tenderiam a sofrer uma louca solidão? Algo que teria ocorrido com o extraordinário artista Mondrian, no seu interesse em penetrar a “arte em si”. Então, não se recomenda excluir a estética da vida.  
No meu beiral, a “Oficina do Bispo”, que hoje chamo de “Cave do Bispo”, tem recebido o epíteto de limbo... Tanta coisa entulhada, parece nosso inconsciente. Se a consciência o despreza, o risco é a perda de rumo. Meu problema,  diferente de Mondrian, é não buscar a essencialidade de nada. Atitude expressionista torna tudo essencial. Toda camada ou linha já é totalidade. O mesmo para os artefatos industriais. No meu espaço, onde boa parte do lixo é visível, sobram vazios a serem ocupados. Aguardam o toque para levantar voos expressivos.
Hoje, um clique. Pela manhã, bastou a solicitação para pegar a vassoura,  fui  para a “Cave do Bispo”. Em quadro iniciado há mais de um ano, preenchi o etcétera.  

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