Ao
tomar um artista como exemplo, quem mergulhou na linguagem escolhida, caso de
Mondrian, penso nos meus sentimentos de valia. No desejo de melhor me conhecer
reconheço, como no caso desse artista, certa visão e procedimentos comuns a
quem faz arte.
Os
espaços – qualquer espaço – pode funcionar como laboratório. A casa ou
apartamento onde se mora, cujos quadros, pintura, fotos, esculturas, objetos,
contam a história e as histórias das quais o artista participou ou foi o
agente.
Diálogo
com situações e pessoas. A residência, qualquer lugar em que se aloja de forma
temporária ou não, suporte para experimentações visuais e sensitivas. Imagens e
composições já ou a serem trabalhadas na tela ou em outro suporte. É o caso das
pinturas de Mondrian. Dispor em estratos ou camadas o passado. Falo em arte, mas áreas do
pensamento e da ação, quando a pessoa se envolve em realizações de um fluir
continuado, possuem parâmetros semelhantes.
Em
nossa época do digital, o analógico pode funcionar como complemento. O antes e
o depois, o passado e o presente interagindo. Combinar o semelhante, igual ou
distinto, enriquece processos de trabalho e criação.
Objetos das minhas oficinas (ateliês) e nas
dependências onde moro, sugerem significações nem ou pouco imaginadas. Chamo de
caves onde me dão bola variados signos. Lembro que signo pode ou não ser
arbitrário. Implica na relação significante-significado. O sonhador é quem
decide. Bengala pode sugerir cobra, para o jogo do bicho; ponto de interrogação
– cajado, símbolo de apoio em situações difíceis. Há regras e também atos de
ideação espontânea fora de padrões conhecidos, na relação constituído (regras),
constituinte (o que pode ou deve mudar).
Muitas
vezes redisponho as coisas na busca de maior equilíbrio, ou de outras sugestões. Quadros, cujas linhas e
superfícies são alteradas. O curioso é que autocontemplo muitas vezes sem
decupar o que realizei. Não entendo o porquê ou como surgiu aquela linha, ou
aquela mancha. Por exemplo, nos meus quadros “A reunião”, “O útero”... Aí, de tempos em tempos, vou sacando os
elementos da composição. Nem tudo se explica.
Ao
escrever, algo assim também ocorre. Logo cedo, ao levantar, se algumas ideias
não tomaram corpo na madrugada, leio... Costumam surgir associações oportunas.
Reproduzo, às vezes, certas modalidades sintáticas, interfiro, mudo, doendo
quando, na leitura, sigo o autor dependendo mais dele, fora dos meus limitados
recursos. Autores: de obras escolhidas e colunistas de jornal.
Gosto
de ouvir jazz enquanto escrevo, Ornette Coleman um dos preferidos. Pintando,
chego a fazer tramas complicadas. Por vezes, narcisicamente, me empolgo com a
dança de palavras e frases, de traços e matizes pictóricos. A obra, ela própria
é que induz a possível término,
geralmente seguido de um etcétera. Aprendi a dizer, com Nuno Ramos, que minha
poética é a do erro. Linhas, estruturas, formas, a exigirem maior soltura.
Acho
intrigante quando certos artistas consideram a fase posterior de suas obras
opções para afastar, de modo peremptório, modalidades do proceder costumeiro. É
o mesmo que negar a influência de cada espaço-tempo e do próprio inconsciente.
Como se não fosse possível ocorrerem outros sinais e comportamentos, a partir
de regiões da psique (sentimento, pensamento, sensação, intuição). Certo que a
memória tem o seu papel. Há sempre o que possui relevância funcional, muitas
vezes dormitando por falta de ocasião para se expressar. Neurotransmissores a
se envolverem: córtex pré-frontal, ínsula, amígdala, circuitos ativadores do
cérebro. Este, sujeito a sérios estudos. Além de placebos e dos fármacos,
sentidos materiais menos ativados, temos a intuição e os espíritos que nos
guiam e inspiram. Aqui, um maravilhoso campo de busca, vivências e onde medra a
mediunidade (ou sincronicidade, se se preferir). Existe um atemporal
abrangente, campo, inclusive da Física Quântica. Ciência e religião se abraçam.
Nos
rituais e nas simbologias; nas interações metapsíquicas as pessoas podem encontrar
substancial alimento para os produtos da alma. E para crer na Vida (por que
não?). Os céticos são sépticos, ao contrário dos agnósticos que, se não creem em Deus, chegam a não o negar
terminantemente. Uns se infeccionam por não aceitar a importância da procura.
Céticos, ao mergulharem na especialização tenderiam a sofrer uma louca solidão?
Algo que teria ocorrido com o extraordinário artista Mondrian, no seu interesse
em penetrar a “arte em si”. Então, não se recomenda excluir a estética da vida.
No meu beiral, a “Oficina do
Bispo”, que hoje chamo de “Cave do Bispo”, tem recebido o epíteto de limbo...
Tanta coisa entulhada, parece nosso inconsciente. Se a consciência o despreza,
o risco é a perda de rumo. Meu problema,
diferente de Mondrian, é não buscar a essencialidade de nada. Atitude
expressionista torna tudo essencial. Toda camada ou linha já é totalidade. O
mesmo para os artefatos industriais. No meu espaço, onde boa parte do lixo é
visível, sobram vazios a serem ocupados. Aguardam o toque para levantar voos
expressivos.
Hoje, um clique. Pela manhã, bastou
a solicitação para pegar a vassoura,
fui para a “Cave do Bispo”. Em
quadro iniciado há mais de um ano, preenchi o etcétera.
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