Uma coisa se conhece pelo oposto
dela. Nada melhor do que falar sobre a infelicidade para lhe compreender o
outro lado. Seu caráter é múltiplo, várias formas experimentadas por todo
mundo. Ela é tudo aquilo que se supõe? Passo a palavra a Luiz Felipe Pondé em
seu artigo O ‘U da felicidade’, Folha, 28/3/2016: “Reconheçamos que, mesmo que
‘vagamente’, está claro para nós que felicidade hoje em dia tem a ver com a
realização de desejos e com o usufruto do corpo com saúde o maior tempo
possível”. O “U” simboliza uma parede que desce até o fundo do poço e outra (parede)
que sobe. O contrário da felicidade é que somos candidatos a doenças,
frustrações, traições, morte, enfim, todo um universo de perdas. É infelicidade,
para nós que vemos sobretudo o presente. Só que a verdadeira infelicidade está
nas consequências de uma coisa, mais do que na própria coisa. Desde o
nascimento, na maioria esmagadora dos casos, fora exceções biológicas, psicológicas,
sociais e médicas, temos pela frente um futuro convidativo. Crianças e jovens,
preferem se relacionar com crianças e jovens. A tecnologia e a medicina, mesmo
o mercado, trabalham cada vez mais para a satisfação de desejos. Não comento agora
a propaganda que nos torna consumidores do supérfluo e da alimentação açucarada...
Aliás, o que se descobre mais tarde, quando a consciência chega à parte baixa
da parede esquerda do U (Pondé). Lá pelos 40 anos: amores traídos, a
mediocridade da carreira profissional, grana curta, horizonte estreitado. Dos
45 até uns 60 pode-se se sentir no inferno. Por aí já se vai convencendo (e com
razão) de que o corpo não é mais o mesmo... Surge uma solidão desinteressante;
filhos que se tornaram estranhos (outros
os interesses), pouco voltados a nós ou nós com relação a eles, fase que chega
a ser vista como terrível. Falo no pior,
embora, a partir dos 60 acontece de a pessoa retomar do baú a antiga
felicidade. Quanta contrariedade resulta em boas coisas? Como a tempestade que
causa estragos mas saneia o ar, dissipando os miasmas. Às portas de deixar o
trabalho formal, vislumbra-se as coisas do espírito. Pena que fora do fato
concreto de não ter quem lhe paga e cobra, não se pratica o “sentar e esperar”
da meditação. Ela corta por momentos as preocupações do dia a dia, gerando uma
energia restauradora. Para apreciar o que é momento feliz ou infeliz necessário
a busca de alguma perspectiva fora dos escombros em que se vive. Cada um
encontrará a própria forma: fazendo o que não tem preço; ajudando quem precisa;
boas leituras, bons filmes, relação com pessoas esclarecidas face a valores, maior
dedicação à família, visão de mundo, atitudes e comportamentos mais saudáveis. Crianças
da fase áurea do “U”, têm muito a nos ensinar, além do afeto sincero. O mais
importante é apurar a própria espiritualidade e a capacidade de amar e distribuir
amor. Cuidar da alma, ela pouco enfocada no mundo de hoje. Objeto de muitos
equívocos, quando a infelicidade está a reboque do entretimento, do prazer, do
sucesso, do consumo de drogas, das vãs agitações, da vaidade, do orgulho
ofendido, da acumulação de bens materiais e subjetivos, do poder concentrado. Infelicidade
no estado em que a maior preocupação é com o passado morto ou com o futuro que
não chegou. Nada pior do que uma alma enfraquecida pela indiferença e pelo
egoísmo. Querer engolir o mundo produz congestão. O “mercado do desejo” pode
nos consumir. Um pouco de tranquilidade (meditação), manter o acesso às coisas
boas do espírito (aprende-se a senti-las), cuidado com a alimentação e uma
adequada mobilidade física (o mínimo é caminhar), podem contribuir no atendimento
de desejos que antes pareciam impossíveis.
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