30/03/2016

EU PROFUNDO

Quem leva sonhos a sério? Comum o comentário: “Coisa maluca, nem me lembro direito”. Que sua linguagem simbólica desconcerta, desconcerta. E a loucura amedronta. Necessário entender? Há quem não aceita, vendo sonhos como o lixo que a vida circunstancial faz transbordar sem sentido. Para o sociólogo Roger Bastide (1898-1974) sonho, transe e loucura podem ser explicados pela história do indivíduo. Daí o interesse da psicanálise e da psicologia analítica de Jung. A interpretação de Bastide rompe com as correntes científicas formulando uma instigante compreensão sociológica desses processos. São canais de comunicação entre o mundo da chamada realidade e o sobrenatural. A mitologia e o atemporal entram aqui. A história e o cotidiano do indivíduo não bastam. O sonho chega a ter função reveladora, como mensagem, orientação oracular para o dia a dia das pessoas. Roger Bastide argumenta que a loucura sobrevém quando as pontes entre o mundo da realidade e o sobrenatural sofrem algum tipo de bloqueio. É como se o humano fosse separado de suas origens ancestrais. Estamos sujeitos a pactos religiosos que não devem ser negligenciados. Em nossa sociedade a própria visão de mundo sofre pressões de uma cultura que enfraquece nosso interesse pela vida coletiva, pela família. A pessoa reduzida a um estado utilitário, consumista, sob a égide do mercado. A vida cotidiana sob “n” induções supérfluas condicionadas pela aspiração de melhor status. Ver para crer, só acreditar no que se ouve, toca, e percebe com os sentidos materiais. As pessoas submetidas à condição de puro indivíduo, ensimesmado, sozinho, sem poder se apoiar numa gramática social que lhe permita a compreensão do próprio lugar na comunidade. A vida perde o sentido. Nem é preciso dar a certa maneira de pensar o epíteto de religião, seja candomblé ou espiritismo. Com a palavra Jung: “(Os sonhos) não iludem, não mentem, não deformam, não encobrem, mas comunicam ingenuamente o que são e o que pensam”. Ele continua: “Só são irritantes e enganadores se não os compreendermos”. Na sua linguagem simbólica “quer sejam originais ou difíceis, a experiência demonstra que sempre se esforçam por exprimir algo que o eu não sabe e não compreende”. Não tendo a pretensão de decifrar o que nos parece complexo e caótico, ao registrar o conteúdo onírico, datando-o, depois se pode compará-lo com os fatos ocorridos. O sonhador pode se ver em cada peça do sonho. Sonhos noturnos ainda podem nos alertar sobre o dia que vai começar, recomendando atitudes e comportamentos. Sob o aspecto premonitório chegam a contribuir para aclarar a consciência.

Nesta madrugada sonhei. As melhores  potencialidades despertas, atuava de forma solta, raro contentamento. Colagem de cenas e situações enunciadas ou já vividas. Roteiro estupefaciente em que o correto e o incorreto surgiam de forma rápida para orientar o grupo que me assistia. Pedagogia de fortes contrastes, o que denuncia e o que aprova, com vistas ao fortalecimento do “eu profundo” como se o autor estivesse no Todo e o Todo  nele. Parecia que não se chegaria a um final, quando acordei.

     

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