29/04/2015

A IDADE DE OURO (e outros artigos para o Jornal Livre de maio/2015)


A IDADE DE OURO

Euclides Sandoval

Nunca ver o tempo como terminal. Faz parte dele nos desafiar. Não incorporá-lo à nossa própria finitude. Valorizar o presente mais do que o passado e o futuro. O aqui e o agora, o “como” as coisas acontecem, importam mais do que os “porquês”. A responsabilidade é de quem navega em águas mansas ou turbulentas. Acreditar na possibilidade de contornar o cabo das tormentas, saindo vivo. Depois da morte o tempo é mais do que um consolo. Continua a aprendizagem evolutiva. É o viver como eterno. A luta pela continuidade da existência é o bem maior. Nem tudo está impregnado pelo desastre e pela tragédia, desde que não sejamos os autores de males que nos atingem e a quem amamos. Mesmo nos desconcertos, o tempo oferece novas oportunidades fora das dores e dos sofrimentos conhecidos.  O pior é se debater contra o mundo chegando a tristes desfechos. Entregar-se à loucura da autodestruição, ou dos sentimentos tormentosos, pode não nos dar tempo para afirmar um ego otimista. Temos o direito à preguiça e o imenso prazer de esquecer. Paciência e abertura para intuições, ainda que possam gerar confusões numa época em que a tônica é a racionalidade. Triste a existência em permanente temor, sob a angústia cotidiana, a renúncia do gozo. Não aquecer a extrema solidão de uma pessoa separada das outras. Ao se sentir desamparado, isso pode ser atribuído a um superego que cresce e incha na proporção exata do desamparo. Não internalizar, fortalecendo o sentimento de culpa como resultado de ascético isolamento. Desgosto da vida, a negação do prazer, o bloqueio do inesperado e do surpreendente, a necessidade de controle absoluto sobre a felicidade alheia são antifaces tirânicas. A idade de ouro é o tempo que nos foi dado viver.

(Reescrito para o Jornal Livre/maio-2015)
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LIBERDADE PARA ESCOLHER

A. Costamares

Comum ouvir pessoas ressaltarem o fator “limite”. Algo muito presente em “educadores” pouco interessados na autonomia dos indivíduos e  na interação social. A fim de repreender a libertinagem, com o devido esclarecimento sobre razões, já é outra coisa. O adequado é compreender quando o abuso de poder não é nada democrático. Lembro a expressão: “a liberdade de um termina onde começa a liberdade do outro”. Há um componente aí, a ferir as leis humanas, se imaginamos clima de reciprocidade. Só o homem está capacitado para fazer escolhas livres. A expectativa é que elas ocorram sem que prevaleça a imposição formal de rótulos. Se os estereótipos “chefe”, “professor”, “senhor” etc. prevalecem, o limite de um (área de mando ou doutrinação) tende a se sobrepor ao limite do outro, o que caracteriza invasão cultural, subordinação ou até escravidão. Certo que a estratégia reinante na maioria das sociedades é a hierárquica. Na pirâmide do poder, do vértice para a base a ordem é a da bicada. Quanto mais próximos da base a pressão recebida tende a ser maior. Tal poleiro existe para os indivíduos e as instituições, da família aos agrupamentos corporativos. Uns e outros mandam, impondo regras e comportamentos. O ideal é que processos de relacionamento levem à logicização (normas), à amorização (valores) e à comunicação (significados entendidos por retroalimentação). Com feedback podemos ter limites compartilhados que nos humanizem. O desejo sem limites, poder concentrado e autoritário ou anarquismo exacerbado, chegam a implicar em violência, e até barbárie.  O anarquismo, como protesto, quando irracional, tende a cair em regulações arcaicas. Regredimos a eras anteriores ao que se entende por civilização. Violência e grosseria vegetam num círculo vicioso de tiros contra o próprio pé.
No caso da política atual, choca o sujeitar-se a progressivos retrocessos. Não temos uma política de Estado mas de partidos. Partidos tendem a comportar interesses que se repartem mais do que atitudes de compartilhamento no coletivo social. O  Estado não deve se manter afastado das reais necessidades dos cidadãos. Partidos são forças cujo papel dialético deveria iluminar a cena política. Tem havido predominância de um personalismo centralizador, que não cede à tentação de se obter benesses só para si ou para a patota. São vozes de um cenário de desigualdades e injustiça, tanto da esquerda como da direita, sem sabermos para onde sopra o vento.    
A escolha consciente dos governantes, pessoas cujos bens individuais não sobrepujam o coletivo, já é imposição para universal consenso.

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RESPEITO AO SAGRADO

                   Ascânio Betarello

Existem obras consideradas verdadeiras balizas para um viver mais saudável. Não raro possuem o caráter de livros sagrados. Vejo a Bíblia como um deles. Livros que oferecem condições para elevarmos a própria alma. Ao se deter em histórico menos civilizado corremos o risco de nos iludir com paradigmas datados para não serem reproduzidos. É tirar da letra o espírito, procurando entender contextos que chegam a ser diametralmente opostos. O que temos hoje no mundo são fases atrozes que se repetem. Certo que antes da civilização era a barbárie, ainda presente em povos beligerantes. Necessário uma “fé raciocinada”, a fim de não nos perdermos em períodos nefastos que jamais deveriam voltar. Lembramos governos imperialistas e ditaduras genocidas, ainda existentes ou de épocas próximas. O tido como aceito em um um período  histórico, em outro pode chegar a se tornar inadequado, inoportuno ou até condenável. O Novo Testamento, com os ensinamentos de Jesus, serve como parâmetro para a moralidade e a ética. O Velho Testamento dá lugar ao Novo, sendo que a filtragem deve ocorrer pelos postulados que sucedem à pena do talião focada no espírito de vingança (“olho por olho, dente por dente”).  A importância de perdoar está na oração do Pai Nosso, pilar do cristianismo. Pode-se até constatar a traição que Jesus sofre até em nossos dias. Não vender a própria filha, não ser racista nem homofóbico, não apedrejar culpados, rupturas diplomáticas com nações que violentam o humano são algumas sobras históricas de tempos pagãos. Livros em que se tira da letra o espírito, com um melhor entendimento de contextos, podem ajudar. Penas capitais, torturas e amputações aparecem no noticiário dos jornais. Há violência e escravidão, além de ilícitos dos mais sutis aos mais escancarados. Lições bíblicas do que se deve ou não praticar estão claras para quem faz vistas com o pensamento assistido pelo amor e pela caridade. Sejamos esperançosos, fortalecidos por atitudes e ações capazes de manter o concerto humano na melhor afinação.

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MEDO E DECADÊNCIA

                      Saint Dennis

Medo da perda de poder, algo que afeta todos nós. Poder no sentido de manutenção da própria capacidade de interferir em pensamentos e ações. No caso das ciências, o sentimento é de atrasar os ponteiros do relógio evolutivo. Admito o quanto de boas mudanças já ocorreram em nossas vidas e no mundo. O universo é dinâmico. Desde a invenção da roda, parece que temos pouco a alterar em rotinas consagradas. A ciência, quando na busca do conhecimento, é esforço renovado para novas aquisições. O mesmo deve ocorrer com as religiões. Quando o Papa recomenda ser revolucionário a expressão visa um humano mais digno e atuante na transformação do mundo para melhor.  Há quem estabelece oposição inconciliável entre ciência e religião. Problema das ortodoxias, doutrinação dogmática. Ambas, ciência e religião, pertencendo a grupos fechados não se renovam. Ver outras postulações, a desprezar por falta de comprovação empírica, é desmerecer  a “dança do universo”. Grupos, onde quer que estejam, fechados, se esgotam por falta de inspiração. Se muito abertos, a instituição deles corre o risco de diluir-se. Ciência e religião, física e metafísica, dando as mãos, podem conseguir o melhor nutriente para suas teorias e práticas. Nós e o mundo sairíamos ganhando.

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