26/11/2014

A CURVA DO TEMPO



 

Muitas vezes o que outros escreveram serve como trilha para a gente falar. É quando corresponde a horas, dias e anos da vida passada e do presente. O que foi e o que ainda é. Caminho para os 80, já no ano que vem. Algo embaçado ou nítido, quanto mais antigo mais presente. Sei que não há lembrança sem alguma dose de ficção. Os trinta segundos passados, agora, no presente vão para o limbo. Hoje o tempo é de uma aceleração arrepiante. Levei dez anos para terminar filosofia (terminar, no caso, foi quando recebi o diploma de graduado). De fato, não se termina nada. Os anos escolares, bastante lentos... Parece que a duração é que contribui para que estejam tão presentes, ritmo arrastado de sons, linhas e cores. Como explicar, na velhice, o encurtamento do tempo.  “Vida breve”, artigo de João Pereira Coutinho, Folha de terça, 25/11/2014, me alertou sobre isso. Ficamos privados da deliciosa lentidão do passado (eu me desculpo por roubar adjetivos e expressões). O tempo ceifa o tempo. Autor, citando autor, “por que motivo a vida acelera à medida que envelhecemos”...  O papel da memória e do esquecimento. Num pulo quântico, costumo dizer – e eu sei que me defendo – que a memória é inteligente, desovando o que menos importa para nós. Chegamos até a achar, de forma patológica, que não temos mais história. Isso no compasso das emoções mais fortes ou no desejo inconsciente de compensar frustrações. Passado e futuro, de repente, mergulham numa espécie de limbo. Psicologia e neurociência avançam para o fato. Olha que explicação para o esvair da memória do presente: o vivido nos verdes anos foi despojado pelas rotinas próprias da idade avançada. Uma pessoa, aos 70 anos, levanta, sem pentear os cabelos, vai para um cafezinho, e logo pega o jornal, à esquerda do sofá em que se senta. Depois, volta para a mesa. Completa o lanche da manhã. No sofá, liga a TV. Antes, quando criança, acordava lembrando a bola que ia jogar com os colegas antes de entrar na classe, o que ia fazer à tarde, a bicicleta que o aguarda, a menina do vizinho e seu bonito sorriso. A adolescência, então, muita coisa a desbravar. Perdoem-me, mas falo de uma época sem a parafernália dos celulares, computador, videogame e redes sociais. Férias, longas e cheias. Fazenda e seus cavalos e vacas. Cada dia, novidades diferentes (até vale o pleonasmo). O fruto maduro tende a cair naturalmente. Na idade adulta horas, cópias umas das outras: casa, trabalho, casa. Tempo menor para os filhos. O monocórdio dos dias, se há muito conforto, produz tédio. O cônjuge que aguente. O tempo como um sopro. Aí, a fisiologia desacelera, pois a lebre não corre como antigamente. Sinto que me atraso pelas margens. Desculpa é falar sobre a importância do contexto. Luta entre manter o foco e perder-se na paisagem cansada dos dias sobre quatro rodas. Se tudo passa a ser tecnologicamente mais fácil, pelo aperto de botões, braços, pernas e mentes se atrofiam. O articulista, ele próprio ou citando, observa que o tempo permanece rigorosamente igual. “Nós é que não: organicamente falando, biologicamente falando, repetimos os mesmos gestos – mas anoiteceu, entretanto”.     


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