Muitas
vezes o que outros escreveram serve como trilha para a gente falar. É quando
corresponde a horas, dias e anos da vida passada e do presente. O que foi e o
que ainda é. Caminho para os 80, já no ano que vem. Algo embaçado ou nítido,
quanto mais antigo mais presente. Sei que não há lembrança sem alguma dose de
ficção. Os trinta segundos passados, agora, no presente vão para o limbo. Hoje
o tempo é de uma aceleração arrepiante. Levei dez anos para terminar filosofia
(terminar, no caso, foi quando recebi o diploma de graduado). De fato, não se
termina nada. Os anos escolares, bastante lentos... Parece que a duração é que
contribui para que estejam tão presentes, ritmo arrastado de sons, linhas e
cores. Como explicar, na velhice, o encurtamento do tempo. “Vida breve”, artigo de João Pereira
Coutinho, Folha de terça, 25/11/2014, me alertou sobre isso. Ficamos privados
da deliciosa lentidão do passado (eu me desculpo por roubar adjetivos e
expressões). O tempo ceifa o tempo. Autor, citando autor, “por que motivo a
vida acelera à medida que envelhecemos”...
O papel da memória e do esquecimento. Num pulo quântico, costumo dizer –
e eu sei que me defendo – que a memória é inteligente, desovando o que menos
importa para nós. Chegamos até a achar, de forma patológica, que não temos mais
história. Isso no compasso das emoções mais fortes ou no desejo inconsciente de
compensar frustrações. Passado e futuro, de repente, mergulham numa espécie de
limbo. Psicologia e neurociência avançam para o fato. Olha que explicação para
o esvair da memória do presente: o vivido nos verdes anos foi despojado pelas
rotinas próprias da idade avançada. Uma pessoa, aos 70 anos, levanta, sem
pentear os cabelos, vai para um cafezinho, e logo pega o jornal, à esquerda do
sofá em que se senta. Depois, volta para a mesa. Completa o lanche da manhã. No
sofá, liga a TV. Antes, quando criança, acordava lembrando a bola que ia jogar
com os colegas antes de entrar na classe, o que ia fazer à tarde, a bicicleta
que o aguarda, a menina do vizinho e seu bonito sorriso. A adolescência, então,
muita coisa a desbravar. Perdoem-me, mas falo de uma época sem a parafernália
dos celulares, computador, videogame e redes sociais. Férias, longas e cheias.
Fazenda e seus cavalos e vacas. Cada dia, novidades diferentes (até vale o
pleonasmo). O fruto maduro tende a cair naturalmente. Na idade adulta horas,
cópias umas das outras: casa, trabalho, casa. Tempo menor para os filhos. O monocórdio
dos dias, se há muito conforto, produz tédio. O cônjuge que aguente. O tempo como
um sopro. Aí, a fisiologia desacelera, pois a lebre não corre como antigamente.
Sinto que me atraso pelas margens. Desculpa é falar sobre a importância do
contexto. Luta entre manter o foco e perder-se na paisagem cansada dos dias
sobre quatro rodas. Se tudo passa a ser tecnologicamente mais fácil, pelo
aperto de botões, braços, pernas e mentes se atrofiam. O articulista, ele
próprio ou citando, observa que o tempo permanece rigorosamente igual. “Nós é
que não: organicamente falando, biologicamente falando, repetimos os mesmos
gestos – mas anoiteceu, entretanto”.
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