Vi Bibi Ferreira, Roda Viva, ontem, na Cultura. O que mais me tocou foi a personalidade dessa mulher
nonagenária. A lucidez, o que a memória despreza, hábitos de longa data que a
mantêm centrada. A fisiologia que lhe dá frescor na voz que fala e canta, o gestual
preciso. É tolerante, aceita a diversidade, seus modos de ser com clara função
no mundo. A busca da beleza e do agrado nos espetáculos, dentro de uma pauta
que é exclusivamente dela. A capacidade de profundas transformações. Os outros,
numa troca mútua enriquecedora. Tolerância e diversidade, vale repetir. Na
evolução do artista, ela uma das mais completas. Mente, coração e corpo em profunda
interação. Mobilidade e busca criativa. A tônica: voz. Voz herdada do pai, clara
e forte. Extremo cuidado na emissão articulada de sons e notas musicais. Fé em si, emocionada ao
entrar em cena e respeito ao público, pagante antes de vê-la. Merece desvelo, conforme
recomendava o pai Procópio Ferreira. Mestre querido, ou Deus... impregnado nela
– um avatar. Nada de política, o pai e o marido Paulo Pontes, comunistas respeitados
por ela. Passava de longe pela política, algo complicado, preferindo a flauta,
a comédia e o musical. O pai engraçadíssimo, amado pelo público. A fé como pura
gratuidade, brincadeira séria. Tudo, experiência viva nela. Solidariedade e
partilha nos grupos de atores e músicos do elenco em que atua. Cada apresentação,
uma epifania – experiência de pico. Não é necessário que se tenha uma religião
para que a pessoa seja boa pessoa, pessoa espiritualizada. Ela só nega o que não
consegue medir com o coração. Evita contornar o essencial, através de aparelhos.
Só contatos desejados e dificultosos quando o telefone surge como via derradeira.
Também não se desperdiça em papos. Estes, em geral, funcionam como que por
reflexo condicionado (assim eu interpreto Bibi). Razão e coração... Do coração
para a razão. Sua vida: trabalho, trabalho, trabalho.
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