14/10/2014

DO CORAÇÃO PARA A RAZÃO



Vi Bibi Ferreira, Roda Viva, ontem, na Cultura. O que mais me tocou foi a personalidade dessa mulher nonagenária. A lucidez, o que a memória despreza, hábitos de longa data que a mantêm centrada. A fisiologia que lhe dá frescor na voz que fala e canta, o gestual preciso. É tolerante, aceita a diversidade, seus modos de ser com clara função no mundo. A busca da beleza e do agrado nos espetáculos, dentro de uma pauta que é exclusivamente dela. A capacidade de profundas transformações. Os outros, numa troca mútua enriquecedora. Tolerância e diversidade, vale repetir. Na evolução do artista, ela uma das mais completas. Mente, coração e corpo em profunda interação. Mobilidade e busca criativa. A tônica: voz. Voz herdada do pai, clara e forte. Extremo cuidado na emissão articulada de sons e notas musicais. Fé em si, emocionada ao entrar em cena e respeito ao público, pagante antes de vê-la. Merece desvelo, conforme recomendava o pai Procópio Ferreira. Mestre querido, ou Deus... impregnado nela – um avatar. Nada de política, o pai e o marido Paulo Pontes, comunistas respeitados por ela. Passava de longe pela política, algo complicado, preferindo a flauta, a comédia e o musical. O pai engraçadíssimo, amado pelo público. A fé como pura gratuidade, brincadeira séria. Tudo, experiência viva nela. Solidariedade e partilha nos grupos de atores e músicos do elenco em que atua. Cada apresentação, uma epifania – experiência de pico. Não é necessário que se tenha uma religião para que a pessoa seja boa pessoa, pessoa espiritualizada. Ela só nega o que não consegue medir com o coração. Evita contornar o essencial, através de aparelhos. Só contatos desejados e dificultosos quando o telefone surge como via derradeira. Também não se desperdiça em papos. Estes, em geral, funcionam como que por reflexo condicionado (assim eu interpreto Bibi). Razão e coração... Do coração para a razão. Sua vida: trabalho, trabalho, trabalho.   

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