07/08/2014

FLORES ETERNAS



Do ponto de vista moral, mentir é censurável. Mas nem sempre vale a pena revelar  o mundo dos próprios pensamentos. Nem a Freud.
Lembro a exumação dos restos mortais de minha mãe, falecida há cerca de 40 anos. Fotografei friamente o crânio, só uma ossada escurecida. Perfeito nas suas dimensões. A foto, no celular, só tive coragem de encará-la meses depois. Falo dessa imagem e Freud me pergunta: Qual, dentro do contexto, o seu desejo eventual? O que pensava eu do crânio de quem eu amei em vida? Amei em vida e continuo amando. Sei onde Freud queria chegar com a pergunta: no ato se dissimulariam desejos secretos de morte. Sinto profundas resistências contra interpretação psicanalítica dessa ordem. Menti, dizendo a Freud dois nomes que, naturalmente, não revelarei aqui. Entre o mundo freudiano e o meu – mais junguiano – um abismo. De fato, por trás da mentira, a consciência da morte em mim. E não creio nela como total destruição. Quem era puro amor devotado aos humanos não estaria mais ali na fétida tumba. Deixara o recado de que o espírito só muda de dimensão, o que foi seu legado quando estava entre nós, filhos, marido, parentes, vizinhos, conhecidos. O que sobra é a roupagem para as estações outonais, de frio, de calor e de flores. O ato da foto acrescentava outras camadas, épocas findas e níveis de consciência ultrapassados. Problemas sempre temos, muitos que nos preocupam ardentemente. A história humana apresenta os estados sucessivos da consciência. De fatos como esse extrai-se uma dramática capaz de nos fortalecer contra delírios. Podemos e vale a pena ter coragem. Confesso que, no caso, era uma coragem misto de frieza autista. Eu não querer visualizar a foto, a não ser meses depois, pode denotar covardia. Um saber precisava se consolidar. Autênticas respostas, não para Freud, mas para mim. Compreendendo um pouco, graças a Jung, o peso do inconsciente, dei um tempo de cuidado às tendências de mascaramento da consciência. Lendo André Luiz, Kardec e o palatável Inácio Ferreira, hoje piso com certa firmeza na aceitação da concretude mais sutil da vida do corpo espiritual. O passamento, com suas dores, só nos prepara para novo passo na rota evolutiva. O que sobra são desejos vãos de posse sobre bens e pessoas.       

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