17/05/2014

GILDA NA ARTE




Alguns professores me fazem bem recordar. Coisas boas e ruins com eles. Mario Sergio Conti, em belo artigo da Folha de ontem (16/5) – “Nunca houve mulher como Gilda” – me devolve ao que já escrevi sobre ela, no blog ipansotera. Com preguiça de voltar a ler o texto anterior relembro fatos passados. Fiz vestibular para filosofia na USP, sendo reprovado em francês por ela, num exame oral. Senti que um erro de pronúncia a irritou. Acho que tentei driblá-la. Corri para a PUC, onde passei em melhor situação, outro vestibular, até elogiado pelo professor Itagiba Mariúzo na tradução, do francês, por escrito. O texto, batalha napoleônica que virou descrição de um quarto de dormir. Eu que não fumo, até fumei antes da prova para me acalmar. Da universidade católica me transferi, anos depois, para terminar o curso na USP. Sofri, algumas vezes, no final dos anos 1960, com professores sorbonnescos, trancando a matrícula. Gente presa, outros deixando o país, clima de tensão, a luta campal entre alunos da USP e os do Mackenzie...
Fui aluno de Gilda, professora de estética. Lendo o texto carinhoso de Mario me vem a imagem de uma bela mulher recostada no batente da porta, durante a aula, embevecida, ao som da música dodecafônica de Schönberg, para mim uma revelação. Em outro momento, a pedido dela, escrevi sobre expressionismo. Observou que poderia ter me detido em Van Gogh, pois ali estava clara a preferência. Perto do exame oral, como acontecia na época, esse tête-à-tête professor-aluno, eu temia sua avaliação (lembrança do vestibular). Conversei com Alfredo Mesquita, na rápida amizade que tive com ele, sabendo que Alfredo era amigo de Gilda. Demonstrei minha apreensão, imaginando prováveis dificuldades. Não sei se ele interferiu, mas tudo correu bem no exame. Titubeei ao falar sobre Apollinaire, poeta e crítico de arte francês. Gilda me animou: “Você escreve de forma cubista como ele”.
Fui aprovado em estética, terminando a filosofia anos depois, quando ela mudou da Rua Maria Antônia para a Cidade Universitária.
Ainda sobre o artigo de Mario Sergio Conti – o que justifica o título, na lembrança de clássico do cinema – Gilda “foi uma das raras mulheres num ambiente masculino, o das primeiras turmas da Faculdade de Filosofia da USP, anos 1930”. Outra incrível professora, Zenaide V. de Araújo, que muito tem a ver com minha formação, também daquele tempo, comentou o caráter sedutor de Gilda. Ela se casou com um dos homens mais inteligentes do Brasil, Antonio Candido, união de 60 anos.
Li, de Gilda de Mello e Souza “O Espírito das Roupas”, Companhia das Letras, em 2001. Conti fala no livro, “A Palavra Afiada”, pela Olho sobre Azul editado agora, também de Gilda. Só me resta agradecer ao sensível Mario Sergio.

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