22/12/2013

SUA EMINÊNCIA, A PALAVRA



Não sou cronista, motivo de felicidade. Escrevo por compulsão, e não preciso de assunto.  O que ocorreu no ano de 2013, desde os protestos de junho, o julgamento do mensalão e outros tantos fatos e/ou versões (Nietzsche) não dão partida no meu motor. Faíscas pouco eficientes para acioná-lo. Meu mundo mental é mais movimentado. Mais do que a ficção (já me acusaram de ficcionista nato), o que me interessa é o que está por trás de ações e conceitos. Erraram ao decretar a morte da História. E das ideologias. Existe uma antiideologia que serve tanto para a esquerda como para a direita. Interessa o relato sobre nós mesmos, minudências que fazem parte da hipocrisia que homenageia a virtude (La Rochefoucauld). Na minha pretensa garimpagem é o que me ocupa as horas.    

Aprender a desconfiar da palavra, algo sedutor. As palavras e as coisas... Faço superficiais considerações sobre o que está mais ou menos sacralizado no cotidiano.  A própria noção de humanidade entra no jogo.  Se a palavra é importante ou não, até para dizer isso dependemos dela. Restrições a atitudes e comportamentos, violência e guerras aparecem do que se diz ou escreve. O sistema se assenta armado, e quando não atua de forma explícita vegeta em sono nababesco. Acorre-se a ele (o sistema) num piscar de olhos.

Reconheço haver idealização no que expresso, pois acredito que o
homem deve dar passos numa reincarnação para se encontrar. (Reencarnação é outra coisa.) Há palavras perigosas como ética e moral, por exemplo. Espiritismo, outra palavra que sugere crença, ameaça ruir edifícios. Talvez pelo receio de se ter de encarar fatos com perseverança.  Comparar doutrinas sobre a passagem da vida corporal à vida espiritual, penas e recompensas futuras, a situação real da alma durante e após a morte...  Quando alguém diz “falta ética”, qual o ponto de vista? Associa-se a expressão à própria consciência? O comum, ao se falar em ética, é não considerar o que nos foi injetado desde a infância. Sistema de valores por trás. Existe a ética que compara pessoas com ratos e piolhos, pensando em pureza e ordem (nazismo). Justificaria assassinatos, como medida higiênica. Tributo sagrado ao sangue puro.

Você poderia estar pensando em embelezar o mundo. Não é isso que se pretende com a maquiagem? Esta como força motora, tornando as pessoas e os objetos mais consumíveis, independentemente do conteúdo. A arte e o design podem entrar aqui como uma espécie de “pedra de toque”. O pensamento e as escolhas, orientados pela pureza dos princípios. Aqui, muito de respostas esperadas. A propaganda para vender e a
publicidade para convencer, salvando o mundo e as pessoas.. E, claro, os negócios. A educação dos sentidos para fortalecer um poder, seja político, corporativo, mercantilista, religioso... A ilusão, a realidade forjada para se alçar voo. O mito do corpo, instrumento para encenações, com ou sem caráter. A distinção entre arte pura e arte degenerada, coisa também de esse-esse (SS) . Depravação espiritual e intelectual. Os costumes legitimados apontariam para o que é falta de educação e doença mental. Nosocômios para gente “anormal” até hoje funcionam assim. Problemas estéticos passam a ser problemas médicos. Estes, no mundo, chegam a liderar a política das passarelas e a racial. Bases: hereditariedade, eugenia para a geração de belo indivíduo, obediente, conformista, adequado ao mundo em que prevalece uma visão única. Se a beleza é oca, não importa.

A pergunta é: como ser menos idiota? Estatísticas, porcentagens, quantificação, lobbies – armas perigosas. Um povo bonito e saudável pode ser o menos ético, fútil ou corrupto. A apropriação da natureza... Como se usam vidros e janelões para se descortinar paisagens! Eis uma correlação de corpo – o humano e o natural – e arte. Regras, normas, leis numa preocupação histérica com o que pode e o que não pode, legitimidade, arenas grandiosas e de alto custo para espetáculos, grandiloquência no uso da palavra, sensibilização massificante, a mão sobre o peito ou juntas homenageando o pensamento único. A voz e as palavras altissonantes. Bárbaros são os outros. Tal a importância da “razão instrumental” voltada para funções,  quando não se admitem falhas. Quem tem poder doméstico e social cuida do “corpo” das pessoas.

Ao se pôr o pensar como prioritário, a decisão é sempre emocional. O cérebro antecipa situações, fisicamente. Mãos suadas, antes de entendermos o que está ocorrendo. Saber é sapere (sentir o gosto). Aprender é apreender. O corpo como medida do mundo. Nessa visão material da mente, o soma (corpo) viabiliza a palavra. A imprensa escrita e falada, a propaganda e a publicidade (aqui entram os marqueteiros), a educação familiar e a das escolas, condicionam mentes e corações, gerando robôs.  O fruidor não deveria sair produzido dessas oficinas formais e informais, mas disposto a refletir, vivenciar e experimentar por si mesmo. Aprender a indagar sobre contextos é melhor do que porquês que levam à causa, da causa, da causa. Não saber perguntar é o mesmo que não saber o que se quer e do que se necessita. Até para falar na superioridade das imagens precisamos da palavra.      

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