28/04/2017

NÂO SE TRATA DE UTOPIA

Meu interesse pela política recebe um novo lume. Li, de Sérgio Abranches,“A democracia sitiada”no suplemento “Ilustríssima”, da Folha, 23 último de abril/2017. Foco da matéria: “as revelações sobre corrupção ampliam o fosso entre partidos e cidadãos”. Algo que não mudará com a simples alteração das leis eleitorais. Comum o debate sobre efeitos, omitindo-se a grave situação institucional. Cada vez aumenta mais a desconfiança na política, nos políticos e nos partidos. Teria passado a era  desse tipo de democracia? Tão competitivos e desconectados da sociedade, os partidos não sustentam uma democracia plena. Os caminhos para sua revitalização nunca estiveram tão claros. Exige-se o encorajamento da participação popular, não o contrário. Com a oligarquização dos partidos, dominados por grupos políticos que se perpetuam no poder, a pretensão é o trampolim para cargos e posições e o negociar em transações milionárias e ilegais. A consequência é os cidadãos virarem as costas para a política. Hora de se buscarem salvadores populistas – o gestor, o não político. Crise de representação para a social-democracia. No mundo inteiro temos um ciclo político-econômico-social com o público dada vez mais distanciado da política. Governos de esquerda e direita chegam a resvalar para o puro populismo. O que costuma ser sucedido pelo complexo  de austeridade, acarretando mais desemprego e maiores perdas. A desigualdade na repartição de recursos sóciais, econômicos e educacionais reforça as distorções. Votar em quem e para quê? Daí o futuro de uma democracia despolitizada, sem povo? Algo dirigido com eficácia, mimetizando a gestão privada, afim de garantir direitos constitucionais. Situação transitória? Melhor: participação eleitoral justa e igualitária. A sociedade dispõe de ferramentas para, no jogo, fazer suas escolhas. Ela tem reagido contra o aumento de impostos travestidos de contribuição necessária. Nossa carga tributária é brutal, desigual e complexa. Diz o articulista: “Temos um Leviatã anêmico, grande, burocrático e ineficaz”. E acrescenta falando no quadro educacional em frangalhos, que contribui para o aumento das desigualdades sociais e políticas. O sistema de saúde está em colapso. A população não é protegida sob risco de conviver com surtos epidêmicos, como os de dengue, zika, chikungunya e, recentemente, febre amarela. O gasto público premia setores ineficientes, obsoletos e de impacto nocivo em muitas áreas. Os partidos convergiram para um padrão de comportamento clientelista. Em lugar de coalizões de propostas forma coalizões de comparsas. Ambiente propício ao financiamente ilegal e ao suborno para fins políticos e o enriquecimento ilícito. Busca-se a perpetuação das oligarquias no poder. O que também influi é o fundo partidário. Corrupção e troca-troca de favores são elementos a extirpar da nossa cultura política. O famigerado sistema, desculpa para a entronização do que se faz, e, principalmente o que afeta o cidadão. Muito se acoberta no ataque aos cofres públicos. Ajustes no preço final, o que gera o sobrepreço a financiar subornos, além de engordar o caixa das empresas. Exemplo: as tenebrosas transações da Odebrecht, praticamente a “dona” do país. Nunca tivemos algo semelhante. Vasta máquina de corrupção política, utilizando métodos de gestão empresarial. Hoje e no futuro, precisamos de um misto de escolhas, face a imprevistos inimagináveis. Movimentos incontroláveis nas camadas tectônicas da transição. Nada de impotência diante desse quadro. Perigosa a opção pelo silêncio político e a alienação eleitoral. Pior o protesto violento e sem foco. Divisões polarizadas estéreis. O que fortaleceria a gestão de forças retrógradas castradoras das liberdades à custa conquistadas desde os anos de chumbo da ditadura. Sérgio Abranches aporta num alerta precioso: “Afastamos a ditadura e construímos a Terceira República, a mais democrática de nossas experiências republicanas, com todas as falhas que temos visto. Vencemos a hiperinflação. Reduzimos a pobreza e a desigualdade”. Ele fala ainda nas duas tarefas coletivas que temos pela frente: “Revigorar nossa democracia, tornando-a menos vulnerável à corrupção e ao controle oligárquico, e definir os modos pelos quais atravessaremos a grande transição do século 21”.    


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