O NOVO VELHO
Pensar em projetos para o ano que se inicia costuma ser algo comum. Para
mim soa diferente. Não que eu seja um sujeito especial, mas cada dia é
simplesmente um outro dia. Lido mal com números, e dias não fogem à regra.
Datas de aniversário? As poucas que trago na memória não são nem as dos meus
queridos pais, já falecidos. Quanto ao ano que está começando penso que já está
velho antes de nascer (lembro Marcelo Rubens Paiva e Contardo Calligaris). Com
algum esforço descubro propósitos para o ano de 2015. Cair fora para um lugar
mais sossegado em períodos de festas, acontecimentos comemorativos, feriados
prolongados. Prefiro praia e mar. Sempre com minha querida Maria. Quase sempre
não dá certo. Com a idade e aumento da prole das netas, já cinco bisnetos.
Daqui a dois meses completo 80 anos. Recente minha ressonância magnética...
Nada muito comprometedor. Vou tomando fitoterápicos para estômago, próstata,
colesterol e um para hipertensão (Diovan). Receita fora da alopatia, da nossa
médica holística – Dra. Ana Clélia Mattos. Tudo leve, nada de tarja preta (uma
receitada, o novo neurologista cortou). Nos
testes, só apareceu a dificuldade com números e contas aritméticas. Aliás,
desde os primeiros anos de escola, não me dei bem com questões de quantidades. Achava
que era pouco inteligente. Só mais tarde descobri que mais forte era o
hemisfério cerebral direito. Agitação em família, TV ligada, muita zoeira, me
causa perturbação. Dessa vez usei um recurso: peguei o violão e repassei sambas
que eu canto. Violão há muito sonolento. Isso no meio do ziriguidum da casa
cheia. Aí não precisei ficar dando as clássicas fugidas para o quarto dos filmes.
Não chega a ser projeto, mas repenso a ideia de que preciso decorar tons e
sequências melódicas, tomando maior consciência do significado das cifras
musicais. Nomes de notas? O que é isso? Na vida coletiva é que encontro a maior
marca de fracassos. Vivo, desde que deixei os empregos, voluntariamente
isolado. O cotidiano circunstancial aborrece
e enerva. O lado da espiritualidade me compensa... com o amor da famíllia.
Tenho uma esposa que é puro coração e alma previdente e providente. Sem ela eu
estaria num limbo. Existe o fato de sempre pegar no meu pé, o que vou
aprendendo a administrar. Faço tudo pela metade... Ouço isso, desde o meu pai
vivo, sonora verdade. Os pruridos de ler e escrever fazem parte do dia a dia.
Ver filmes em casa e poucos programas televisivos, principalmente os de entrevistas
com bons pensadores. Calligaris, na matéria do dia primeiro de janeiro de 2015,
na Folha, faz o balanço que me inspira, citando “tsunamis, incêndios, doenças,
seca”... “O surgimento do Estado Islâmico, as decapitações, a intolerância, o
ódio contra as mulheres, o racismo, os emigranes africanos afogados a caminho
da Sicília, o separatismo dos russos da Ucrânia, a corrupção endêmica aqui e
alhures, os 43 estudantes mexicanos sequestrados e assassinados pelo
narcotráfico, as 132 crianças paquistanesas assassinadas pelo Talibã...” Quando
nosso grupo familiar se reúne para fazer samba em casa, como é bom. Ao lado do meu pobre violão doméstico
faço percussão, com rara desenvoltura, diga-se de passagem. Quem é mais músico
assume a liderança... Aí corro para a percussão. Com Calligaris aposto que a
barbárie não é um destino inevitável. Cada vez escrevo mais sobre espiritualidade,
fazendo uma arqueologia das palavras... Estas, sempre sobre um fundo de palavras.
Não sou operatório, sem fórmulas e prontas soluções. Escrevo acompanhado das leituras
que faço, em geral, num clima dialético-constituinte-de-significados. Não me vejo
como guru, nem especialista em nada. Gostaria que todos lessem mais, vissem
mais filmes e dialogassem fora da imposição doutrinária de verdades. Discussões
sobre política nunca se fecham... Quando se defende alguém, outro chega com o
que você desconhece e enterra o assunto. Tudo é muito fluido e polarizado. Confirma
o sombrio e sem ilusões sobre a vida dos humanos em sociedade (Freud). Tenho
preferido Jung das “Memórias, sonhos e reflexões”. Ele mapeia em profundidade a
vida, pipocando esperanças. No meu balanço para o ano que se inicia penso em
continuar – ainda que para ouvidos moucos –, falando sobre as relações entre ciência
e religião. Ao lado de uma fé raciocinada há muito de objetivo nas relações entre
mortos e vivos. E ainda faz muito bem um pouco de mandálicas intuições.
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