Ter
desejos é como a experiência de ver o “mundo nascendo”. Começaria pela comida e
terminaria pela ambição de ser outra pessoa.
Existe
o desejo de enfrentar desafios, algo raro. O mais comum é continuar sendo o que
se é, desde que se consiga pagar contas (ou criá-las), competir com a moda, acumular
bens (estes, muitas vezes inconscientes), conquistar uma determinada pessoa,
ser amado pelos filhos e netos, obter respeito humano. A lista de desejos faz
pensar em livre arbítrio. Uma balela, se já nascemos e vivemos condicionados.
Num
memorialismo que se forma em pedaços, a vida como ela é destrói fantasias do
imaginário que conforta, anima ideais, subtrai expectativas.
Achamos
que para conquistar desejos precisamos de método. Tal atitude nos leva a
repetir conceitos à exaustão, para não nos esquecer deles. Principalmente para
os outros, já que se perceber depende pouco de injunções. Não adianta só
querer. Algo que foge ao senso comum. Melhor flagrar o alheio, tirando os
passos da reta. Sobre os próprios pecados, entendemos pouco. Não falo dos teológicos
mas dos que a psicologia conhece. Posso deles fazer uma filosofia defensiva que
não me deixa pirar. Ou a gente se destrambelha de outro jeito. Ao nos
expressarmos, o frequente é fazer de assunto o outro. Sobretudo quando
avaliamos. Espécie de “pecado sem Deus”. É como se nos lavássemos das próprias
imperfeições. Aquela coisa de “o diabo é o outro”. Falar sobre o que não
queremos saber acerca da alma humana é o que comumente acontece. Somos
moralistas com dupla visão sobre o que é moral. Ah, quase me esquecia do desejo
de sexo... Mas é bom que se saiba que, sexo demais, é falta de amor. E, quando
a libido toma outra direção, por exemplo, a de outras formas criativas e de
busca do absoluto, a tendência é valorizar o ato de amar.
Angústia
pode contribuir para que não se apodreça. Estamos em permanente conflito com nós
mesmos, isso é da vida. O desejo de sair desse ramerrão nos faz pensar que
somos subdesenvolvidos. Que bom, se sentir subdesenvolvido no mundo doente em
que vivemos! Subdesenvolvidos nada têm a ver com ignorantes ou incapazes...
Eles sofrem demais, o que é caminho seguro para se espantar o medo. Sofrimento é
condição epistemológica para adquirirmos conhecimento... de nos tornarmos mais
humanos. A dor funda a consciência.
Precisamos
de contrariedades, pressão e atritos sem os quais falta a faísca para que o
motor se ponha em movimento. O sonhado isolamento, ou a sonhada inércia para
nossos sonhos d’ópio, é o que pior podemos imaginar. Faltará o combustível da
desdita. Sem dor e sofrimentos não tomamos força para agir e criar. É a inanição.
No
caso da política, tomar consciência sobre o desejo de ser visto, aceito e
conquistar posições de prestígio faz parte de um drama, cujo fundo é moral ou
religioso. O resultado: caímos no limbo da opinião pública, abismo de que
poucos políticos se safam. É como o frenesi de uma balada de jovens, coisa de
imensa idiotice. O desejo aqui é de não ter medo de ser feliz, ou de escapar de
terríveis marcas físicas ou “históricas”. E, no fim, sobra pretender chegar à
compreensão da alma em outra dimensão, como derradeiro estágio existencial. Bom que se saiba que o prenúncio de um final
de arrependimento é o sonho dos calhordas de costa grossa. Representa a perda
irreparável do amor.
Costuma-se
dizer: fulano não tem alma... Esquece-se que o corpo é que descreve a alma. A
abrangência do corpo não merece o conceito de que a matéria é imperfeita com
relação ao espírito. Intriga dos religiosos de carteirinha. Matéria é energia;
energia é alma. Se você não cuida do corpo, desejando-o belo e saudável, é a
mente que se deteriora. Não se podendo desejar um novo corpo, com a ruína dos
próprios órgãos, resta a consciência dos pecados.
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