19/08/2012

IR COM VOLTA



Ele acreditava, com a mesma sinceridade, em espíritos e na matemática. Intimidade com a transcendência, mas com reservas. Sem desprezar a metafísica, muito se deixava absorver pelo raciocínio causal. A cabeça comandava o coração. Não obstante o grande interesse pela ciência e a medicina (queria ser médico), lia muito escritores, como Machado de Assis, Somerset Maugham, e os que encaravam o espiritismo pelo lado científico (Kardec, Pietro Ubaldi, Gabriel Delanne). Literatura, filosofia, religião – tríade a servir de base para o professor que sempre foi. Assistimos juntos a palestras do Instituto Brasileiro de Filosofia. Uma delas com Heraldo Barbuy, em que este pensador investe contra a matemática, citando Nietzsche. O jeito de Heraldo falar, respiração sôfrega, sussurro na terminação das frases mais longas. Para nós um modelo enciclopédico. D. cultivava o corpo, praticando “tensão dinâmica”, como fazem os animais. Não apreciava a musculação com aparelhos. Chegou a ter costas elogiadas, embora fino das pernas. Namorava com certa parcimônia, sem os exageros de hoje. Ajudava como esteio de nossa pequena família, ao lado da labuta do meu pai, homem-totem... Já escrevi sobre ele. D. era crente e metódico, alimentado por dúvidas cartezianas. Boa parte da vida com problemas respiratórios, o que não impediu que nadasse, de uma só vez, cerca de mil metros na piscina do Corinthians, em São Paulo. Ficou acamado sob o desvelo de nossa mãe. Medicado até com veneno de cobra, conforme se propalava para a cura de asma. Aprendi com D. a me interessar por futebol, exercícios respiratórios, música e canto (ele acompanhando ao violão), ping-pong, xadrez (ele competia). No xadrez era, também um teórico, lendo e reproduzindo partidas. D. me motivava a ler, escrever, morar com os pais, vida na simplicidade doméstica (sem ousadias radicais, comuns à juventude de hoje), cavalo, namoro, dança de salão... Para mim, ele sempre foi mais inteligente do que eu. Mergulhou em Piaget, tornando-se especialista até disposto a se apresentar em programa televisivo. Um educador para todos nós.  D. é Denizar Faria Sandoval, antes Denizard, com “d”.


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