No trajeto Atibaia/Campinas dedos e
caneta trabalham num texto sobre a memória. Minha filha Carol dirige, Maria,
conduzida para uma cirurgia, tida como simples. Pedrinha a ser retirada da
vesícula, evitando-se problema futuro. Clima de concentração de energias
positivas. Parece que psicanalistas freudianos não gostam da palavra energia
pela relação com o paranormal. Consta que Freud é a infância, e Jung a maturidade da
psicanálise. Certo que ambos se completam.
Escrevo
sobre a memória, prometendo pesquisar depois antes de publicar este texto. Idade
avançada, eu e minha esposa Maria, juntos há meio século, temos nos queixado
dos esquecimentos. A memória e o seu lado de ocultação. Não lembrar de pequenas
e grandes coisas soa como problema, mas a mente com o que a sobrecarrega também
não é legal. Como não esquecer o que precisa ser lembrado? Há formulinhas:
associar dados a imagens mais significativas; enfatizar com registros interessantes.
A
vida nunca se extingue. A morte como terror, o medo e a angústia que nos
desperta, a serem trabalhados. Tenho lido obras psicográficas em que o
espírito, na preparação para o reencarne, entra num estado de hibernação psíquica.
Restringimento numa miniaturização para que se torne novo feto e criança. Isso
me parece digno de atenção. Fomos criança, crescemos, envelhecemos. A vida é
feita de estações, a morte uma delas. A memória nos acompanha, marcando os
compassos de uma melodia evolutiva infinita.
Nas
contingências, fatos permanecem lembrados, outros esquecidos. De joelhos,
homenageio o existir. Gratidão pelos sentidos que continuam despertos. A
memória amiga limpa a área para o renascer. Face à permanência do que vale, um
registro verbalizado. Pode-se recorrer também a imagens visuais, sonoras,
olfativas e táteis. Aparelhos ajudam, não sendo imprescindíveis. Sonhos e seus
símbolos, muito mais atentos na revelação elucidativa. Silêncio e oração,
contribuem no espaçotemporal. Favorecem a função intuitiva da psique. Paciência
e reverência num mundo com tantas belezas e mistérios. Difícil administrar tais
afetos – calma e sagração – na turbulência de maldades com as quais temos
deparado. Necessário o beijo de gotas de luz nas trevas de um presente
conturbado por violência e corrupção. Maior sensibilidade e intuição para
enfrentar a quantofrenia de estatísticas, relatórios e metas. Dormir o
suficiente para acordar com disposições amadurecidas no que é solidário e
amoroso. Muita reflexão, estudo e pesquisa. Experienciar o ainda não vivido. Acrescentar
mais do que acreditar em verdades impostas. É a fé raciocinada.
A
memória se faz plena fora de tanto apelo do comando consciente. Este serve para
ligar a razão à grande esfera inconsciente. Explica conteúdos ainda por
digerir. Necessário tornar distintos o que a grande bola da psique nos oferece.
Ela (a memória) é forte e sutil nas entrelinhas. Acorda como instinto. Natureza
aberta, não presa a linhas prescritas. Não responde quando a gente quer.
Autônoma e infalível ela nos acorda para a luz de uma espiritualidade superior e
nos nocauteia ao berro das evocações. Não gosta de ser chamada para se mostrar.
Lembro
o que não sei; escrevo o que sei.
Aconteceu,
horas depois, a cirurgia da querida Maria. Tudo correu bem para nossa maior
gratidão e reverência aos que nos dão proteção.
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