05/03/2016

NADA SE PERDE, TUDO SE ACHA

No trajeto Atibaia/Campinas dedos e caneta trabalham num texto sobre a memória. Minha filha Carol dirige, Maria, conduzida para uma cirurgia, tida como simples. Pedrinha a ser retirada da vesícula, evitando-se problema futuro. Clima de concentração de energias positivas. Parece que psicanalistas freudianos não gostam da palavra energia pela relação com o paranormal. Consta  que Freud é a infância, e Jung a maturidade da psicanálise. Certo que ambos se completam.
         Escrevo sobre a memória, prometendo pesquisar depois antes de publicar este texto. Idade avançada, eu e minha esposa Maria, juntos há meio século, temos nos queixado dos esquecimentos. A memória e o seu lado de ocultação. Não lembrar de pequenas e grandes coisas soa como problema, mas a mente com o que a sobrecarrega também não é legal. Como não esquecer o que precisa ser lembrado? Há formulinhas: associar dados a imagens mais significativas; enfatizar com registros interessantes.
         A vida nunca se extingue. A morte como terror, o medo e a angústia que nos desperta, a serem trabalhados. Tenho lido obras psicográficas em que o espírito, na preparação para o reencarne, entra num estado de hibernação psíquica. Restringimento numa miniaturização para que se torne novo feto e criança. Isso me parece digno de atenção. Fomos criança, crescemos, envelhecemos. A vida é feita de estações, a morte uma delas. A memória nos acompanha, marcando os compassos de uma melodia evolutiva infinita.
         Nas contingências, fatos permanecem lembrados, outros esquecidos. De joelhos, homenageio o existir. Gratidão pelos sentidos que continuam despertos. A memória amiga limpa a área para o renascer. Face à permanência do que vale, um registro verbalizado. Pode-se recorrer também a imagens visuais, sonoras, olfativas e táteis. Aparelhos ajudam, não sendo imprescindíveis. Sonhos e seus símbolos, muito mais atentos na revelação elucidativa. Silêncio e oração, contribuem no espaçotemporal. Favorecem a função intuitiva da psique. Paciência e reverência num mundo com tantas belezas e mistérios. Difícil administrar tais afetos – calma e sagração – na turbulência de maldades com as quais temos deparado. Necessário o beijo de gotas de luz nas trevas de um presente conturbado por violência e corrupção. Maior sensibilidade e intuição para enfrentar a quantofrenia de estatísticas, relatórios e metas. Dormir o suficiente para acordar com disposições amadurecidas no que é solidário e amoroso. Muita reflexão, estudo e pesquisa. Experienciar o ainda não vivido. Acrescentar mais do que acreditar em verdades impostas. É a fé raciocinada.
         A memória se faz plena fora de tanto apelo do comando consciente. Este serve para ligar a razão à grande esfera inconsciente. Explica conteúdos ainda por digerir. Necessário tornar distintos o que a grande bola da psique nos oferece. Ela (a memória) é forte e sutil nas entrelinhas. Acorda como instinto. Natureza aberta, não presa a linhas prescritas. Não responde quando a gente quer. Autônoma e infalível ela nos acorda para a luz de uma espiritualidade superior e nos nocauteia ao berro das evocações. Não gosta de ser chamada para se mostrar.
         Lembro o que não sei; escrevo o que sei.
         Aconteceu, horas depois, a cirurgia da querida Maria. Tudo correu bem para nossa maior gratidão e reverência aos que nos dão proteção.

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