19/07/2018

A PERCEPÇÃO PRIMORDIAL



A Programática de G.W.G. Moraes buscou em obras da antiguidade clássica (biblioteca digna desse nome), noções que dão destaque à dicotomia para a compreensão da multiplicidade do real. Entram aqui Ocidente e Oriente. Platão aceitava a prevalência da dualidade, também enfatizada por Nietzsche e Merleau-Ponty. A vida caminha através de paradoxos, opostos interativos, pensamento de Jung que postulava sobre a existência de dois polos que se defrontam. A interrelação entre eles, embora antagonistas, contribui para o equilíbrio psíquico. Como não há brilho inteligente sem sombras, não basta esta dualidade. Picasso demonstra, da Renascensa ao Cubismo, como o elemento “três” é importante. Um tripé é melhor base para manter a máquina na vertical. “Dois” para sustentação exigem apoio que também provém de um motor em movimento. Então, resta discernir na escolha das unidades, sob pena de desvario e insegurança. Firmeza para baixo e largueza de sentimentos e ideias. A Programática aceitaria o elemento “três"? Caso contrário, ou se acerta ou erra. A dúvida, naturalmente, é algo menos autoritário. Por outro lado, no sistema de Moraes a intuição mandálica tinha sensível destaque. Compensaria a radical dicotomia. Pergunto:  como ficam as graduações de luz e sombra, de superfícies com relação a linhas e pontos? Risco de se cair num maniqueísmo estético, como se sujeito e objeto, eu e outro existissem separados. A própria clivagem do certo e do errado é discutível na medida em que exalta a percepção habitual, objetiva e cristalizada. Em Leonardo da Vinci a percepção é mais aberta e mais ampla. Confiança maior nas sombras do que nas linhas de contorno, para o entendimento. Conteúdos, relacionados a formas, ideias, teorias.  A natureza em si – independentemente da maneira como nossos olhos a concebem – não possui limites precisos. Pontos e linhas são constructos matemáticos, sem presença física. Algo imaginário, desprovido de matéria e substância, existe como projeção. Não ocupa espaço. Luz e sombra são o que melhor representa a forma e o volume dos objetos e seres. O humano entra aqui. A ver com isso o sfumato, técnica que, em Leonardo, representa a realidade com mais precisão. A Mona Lisa, bom exemplo. Nas relações interpessoais penso na Gestalt, comparando-a à percepção que não se perde em nomes, medidas e detalhes, preferindo o mais  totalizante. Ninguém se conhece, e muito menos sabemos tudo sobre pessoas animais e coisas. Do geral se chega ao particular. Leonardo, ao borrar os limites entre arte e ciência, realidade e ficção, experiência e mistério, pretendia chegar ao essencial do visível.

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