03/03/2018

TUDO VAI DAR CERTO



Artes e ficção, cinema e novela televisiva, potencial para o como viver. Nos acertos e nos descompassos. Realidade e ficção, narrativas com começo meio e fim ou não. O que se busca na linguagem televisiva é satisfazer anseios mais do que o alargamento da capacidade compreensiva. Ocorre também o efeito de um opiáceo. As relações humanas, o mundo e suas surpresas e seus mistérios, o que  agrada ou preocupa, fatos e papos. Acomodar-se, ser passivo ou ativo, submisso e fazer escolhas.
Tenho observado como as pessoas chegam a preferir novelas, algo pouco afeita ao reflexivo. Aconteceu isso com minha mãe e minha tia, ambas curtidoras de “E o vento levou”, assistido mais de uma vez, nas cerca de  quatro horas de duração.
O protagonismo das novelas televisivas com relação à sétima arte não é de hoje.  Nos últimos anos, inclusive  as séries, retiram elementos da linguagem dos filmes o que gera um compadrio.  Cenas mais curtas, locações em ninhos de diversos problemas explorados à exaustão, diálogos menos longos, cortes e retornos no tempo.
Questões sociais mudam os hábitos do espectador. Debate feminista, casos de assédio sexual, serial killers, o aspecto político comportamental dos poderes e da justiça. O mais rápido na captura do zeitsgeist (espírito da época) absorvido nos roteiros. Ao longo da exibição a narrativa vai mudando de rumo. O conteúdo das novelas e das séries passa a ser elemento central nas conversações. Trata-se da aptidão televisiva em produzir discurso. Da página de artes para a primeira página dos jornais.
Diante da telinha, imagens, sons e palavras viram alimento diário. Por trás a intenção de trabalhar emoções, desejos e frustrações, numa eficiente dramática (ação e assunto). Patrocinadores e o produto no manejo do escapismo para jovens, adultos e velhos. Arte compensa, pois viver é difícil, liberdade assusta e constrange. Ter tempo livre e tornar-se diferente para quê? No que se é igualitário, mesmo em termos, tudo mais fácil. Sentimento individual coletivo na cópia de atitudes e comportamentos. Na massa humana se encontra a própria identidade. O social ajuda e encoberta deveres e obrigações, a quebra de preconceitos, evitando-se maiores aprofundamentos.
Vamos ao caso de me sentir atraído por novelas, eu um cinéfilo. Dou preferência a estilos menos naturalistas, sem mensagens muito explícitas, ou algo em que a gente abraça o próprio ego.    
Mais por exclusão, escorreguei, acompanhando uma das útimas. Havia recheios sentimentaloides, até dispersivos, nos diversos assuntos. Muito presente o resfolegar dos instintos nas questões de amor e sexo.  Não faltaram atitudes neuróticas como a privação do ato sexual com quem se ama, casado, por razão mítica. Abrir mão de tal cardápio me pareceria um tiro no pé, desprezo a expectativas da audiência. Cenas mais ou menos fortes no capricho da época.  
Novelas se arrastam, sugerindo reescrita no dia a dia. No final dos capítulos o batido gancho, necessário para manter o interesse  do freguez.
Eu me vi ansioso pela prisão e morte dos maus. Clara a denúncia de preconceitos (racismo, escravidão consentida, assédio sexual, o dinheiro rentista). Multiplicação de ganhos de e prestígio social. Diz não gostar de fofocas quem as pratica. Por acaso o nome da protagonista era Clara. Temas do momento, como o patrimonialismo corrupto de advogados, juízes e polícia. A turba acéfala pensando em linchamento. A autoria da novela mata, ao agrado do público. Aparentes soluções impossíveis até copiadas de ficções da literatura clássica (“O Conde de Monte Cristo”, por exemplo). O enervante pelos intervalos amiúde de propaganda.
Conta-gotas cínico e sádico, cenas problemáticas e sem interesse, a preencherem tempos e espaços, maior economia nos custos da produção. O entrecho prende a atenção graças a ótimos atores em cenas corretas. Difícil pegar e largar. Grande aparato visual e técnico. Como ficamos a cada instante: ódio face aos maus; que vinganças se cumpram. Não é preciso muita acuidade para perceber que o telegrafado irá se efetivar. Resta ainda a censura ao bordel, às garotas de programa e às prostitutas – um saldo-prêmio a moralistas conservadores. Imagine a matéria-prima que sobra para dormir e sonhar  e como imagens retidas invadem no fluir cotidiano. O cinema como arte, fora do maniqueísmo das fórmulas fáceis, é o que mais me interessa. Não me agrada o caráter explícito, as pegadas de suspense das novelas e os típicos clichês com personagens e situações repetidas. De um lado há os blockbusters (filmes muito populares para obter sucesso financeiro); de outro, as novelas menos voltadas para a satisfação estética, hoje estabelecendo ponte com a mídia e os fatos do dia a dia. Há dois males modernos como o bullying (assédio moral contínuo) e a depressão. Na teledramaturgia americana histórias de crimes baseados em fatos reais. Feminismo, suicídio, misoginia, alcoolismo, terrorismo, autismo, violência doméstica, assassinatos, corrupção com propina, avanço no dinheiro público para alimentar vaidades e psicopatias. Por vezes parece uma tentativa para entender a mente de criminosos. Novelas na TV são um produto cultural do nosso tempo.

Evidente a necessidade de mudar paradigmas. Personagens que atuam e personagens que assistem.

O que é certo e o que é errado. Nossos desejos de posse e conforto. Perturba sentir-se traído. A sensualidade muito ou pouco praticada . A não punição de desafetos. Não aceitar a própria intenção de punir, afirmar ou negar. O práto frio da vingança como móvel de ações. Não reagir à altura de bens e afrontas. Fechar olhos e ouvidos para fatos desagradáveis ou não aprovados. O regozijo ao presenciar merecidas agressões. Sentimentos impróprios que se aprova ou não. Ao mudar de posição, como agora, vejo as coisas por  outro ângulo. Aquele objeto no último degrau da estante (não percebia que estava lá). O mesmo ocorre quando há discordância. Sentir ou não o que o outro pensa. Nenhuma associação prospera sem os diferentes. A novela – como o “outro” – também possui aspecto integrativo. O BBB que irrita torna mais conscientes defeitos e virtudes. Nem sempre o demônio está em algures. Participa-se como coautores dos próprios infortúnios. Não basta querer para que aconteça o desejado. Aprender com o imprevisível. No entrecho telegrafado das novelas, mesmo quando inclui algumas surpresas, torna-se essa forma televisiva verdadeiro blockbuster. No final, tudo dá certo.


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