12/04/2016

PESSOAS E COISAS

Vamos aprendendo a escolher os melhores alimentos. É assim, ou deveria ser assim. Para o físico e para a alma. Aprender a viver pode ser isso. Ao lado do ter e do ser, existe o evitar. Cria-se, também, zonas de escape e de silêncio para o que nos perturba ou nos desagrada.
Militei com jovens em hospital psiquiátrico. Comum entre os internos, as ferramentas do escape e do silêncio, o que parece natural para todos nós. Havia momentos de surto, em clima de concordâncias e discordâncias. Nos períodos de trégua, ocorria o apoio do calor humano em reuniões de psicoterapia e grupoanálise.
Meu aprendizado em dinâmica de grupo foi com Lauro de Oliveira Lima, mestre e amigo saudoso. Contato com a prática artística e o teatro me ajudava na criação de oportunidades de expressão do normal e do anormal.  
Lembro o que li da psiquiatra Nise da Silveira (e sobre ela).  Sob sua responsabilidade era o atelier de pintura num dos setores da terapêutica ocupacional – Centro Psiquiátrico Pedro II, Rio de Janeiro (1946-1974). Época, inclusive, do eletrochoque e dos fortes remédios bloqueadores quando a consciência disparava ladeira abaixo.  
Além da oficina de laborterapia, na comunidade terapêutica em que trabalhei (Atibaia, anos 80), a gente utilizava técnicas dramáticas. No teatro pintava-se e bordava. Soltava-se miasmas da alma. Imagens que, uma vez destaca-das, serviriam de defesa contra o inconsciente invasor. Muito do que poderia levar a situações de delírio aparecia no remanso do lago. Imagino que se ia aprendendo a enfrentar regressão a zonas cavernosas da psique. O jogo de ficção e realidade procurava ajudar no processo terapêutico. Numa outra etapa, ou aí imiscuído, o trabalho de ressocialização.
A reflexão de que a arte nos ajuda a viver melhor obtinha papel preponderante.
Desde criança e jovem, pensando em valores, atitudes, comportamentos, muito devo às matinês de domingo. Sem TV e Internet, o cinema falado americano, no seu maniqueísmo mocinho-bandido, é responsável por autoafirmações machistas e preconceituosas mudanças sociais. Sentir, por exemplo, que “barracão prende mais que xadrez” (de um samba de Noel). O reforço de tendências e potencialidades deve muito à ficção. O cinema atual, pleno de efeitos sonoros e imagens que se quebram vertiginosamente, chega a ajudar pouco no apuro da sensibilidade e da reflexão.  
Hoje, em casa, acontece diálogo através de um conjunto musical doméstico. Embora grupinhos, até de crianças pequenas, prefiram tablets. Elas se juntam e se isolam.
Voltando à música analógica, surgem áreas através de voz, notas e compassos, mãos, dedos e cordas, percussão em madeira, couro e metais, ou objetos, os menos declarados para esse fim, promovendo a interação dos diferentes.  Crianças com celulares na vertente dos novos tempos de comunicação virtual. Adultos tocando e cantando; outros, no jogo de Tranca. Uma coisa é se alimentar do que é mais natural ou mais artificial, dependendo das escolhas, sendo que uma não exclui a outra.      
Sei que o processo de selecionar o que nos faz bem (e quando nos faz bem), não parte de amplo consenso. Objetivos existenciais e das escolas deveriam ser o da autonomia individual e da interação social (Piaget). O de valorizar mais o natural do que produtos de consumo desenfreado. Isso é homenagear a pessoa face ao indivíduo-padrão do sistema toma lá–dá cá. Se a interação possui papel paradigmático, caminha-se para a iniciativa, autoconfiança, e coragem de ser si mesmo. Tudo sob a égide da saúde e da doença, do corpo e da alma.   


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